A geopolítica está a levar a Alemanha a tornar-se mais pragmática na frente orçamental
Christian Odendahl, do Centre for European Reform, diz que as questões orçamentais estão a passar para um plano secundário quando o ambiente passou a ser a questão prioritária na Alemanha. E quando a volatilidade geopolítica leva Berlim a dar ainda mais importância a uma Europa unida e forte.
O que esperar de um Governo Scholz, e sobretudo de um ministro das Finanças Lindner? O economista chefe do think-tank Center for European Reform Christian Odendahl sublinhou, numa entrevista por telefone, que Lindner “não está num espectáculo a solo”.
Christian Lindner, o provável próximo ministro das Finanças, mudou o seu tom de uma intransigência orçamental na Alemanha e Europa para agora dizer que os países também têm de poder investir. O que espera deste ministro da Finanças?
O líder do partido “falcão” em termos orçamentais teve de dizer o que disse durante a campanha, estava a posicionar-se no debate alemão. Mas depois desta eleição, quando ficou claro que a opção “semáforo” [com o SPD, os Verdes e os liberais] era a mais provável, penso que houve um entendimento entre os três partidos, a alto nível, de que iriam procurar ao máximo encontrar bases comuns genuínas, e não apenas compromissos. E nas questões em que discordam, quando há um compromisso, todos estão obrigados a ele.
Penso que é isso que está por trás da mudança de tom de Lindner. Ele não está num espectáculo a solo, tem de representar o ponto de vista de todo o governo. Penso que isso se nota no que ele está a fazer, e a disciplina com que o que está a fazer é um bom começo. O acordo para as regras orçamentais da Europa mostra uma abertura que se esperaria, afirma princípios claros sobre a direcção em que a Alemanha gostaria que este debate fosse, mas não exclui nada, não tem linhas vermelhas, nem propostas inflexíveis, porque esse não é o papel da Alemanha. O papel da Alemanha é tentar encontrar compromissos no Eurogrupo, e é isso que Christian Lindner vai ter de fazer nos próximos meses: há abertura para reformas, ou como disseram [no acordo], para melhorias nas regras orçamentais para garantir a estabilidade, o crescimento, e ter regras para o investimento necessário no clima.
Como vê a discrepância entre o enorme investimento previsto e a manutenção do travão da dívida a partir de 2023?
A Alemanha tem uma agenda de clima muito corajosa neste acordo, e tem, no geral, previsto investimento em digitalização, clima, etc, e [na coligação] encontraram algumas maneiras em que o travão da dívida pode ser contornado, a mais descarada é tirar dívida que deveria ir para a resposta à covid e pô-la num fundo de transição do clima – isto vai ser desafiado nos tribunais, e não é 100% certo que passe. Mas eu diria que os liberais democratas, que têm nos seus altos escalões muitos advogados, de certeza que analisaram bem a questão, porque o mais embaraçoso para o partido seria que o primeiro orçamento do seu ministro das Finanças fosse rejeitado em tribunal.
E mais uma vez isso são boas notícias para a Europa, porque a Alemanha fez uma coisa que os outros países podem agora fazer, com a cobertura política de que a Alemanha fez o mesmo. No fundo, é criar uma almofada quando as regras orçamentais começarem a doer de novo para assegurar uma transição suave da recuperação da pandemia para a reaplicação das regras orçamentais. Penso que há um consenso político alargado para garantir que a recuperação não se perde, e a concretização prática desse consenso foi sempre um pouco controversa, mas penso que o acordo da coligação mostra um modo de o fazer.
Vê alguma hipótese de ter um orçamento europeu, ou um fundo permanente?
O acordo de coligação não diz muito sobre isto, não há necessidade de falar disto nos próximos anos. Eles sabem que não vale a pena dizer mais nada, reafirmam que o Fundo de Recuperação e Resiliência é único, isto é dizer o óbvio porque é legalmente verdade. Mas não estão a excluir criar um novo instrumento que tenha uma função semelhante. Talvez estes debates aconteçam para o final do mandato deste governo, mas penso que decidiram não gastar capital político agora numa coisa que só terão de decidir em 2026.
As posições são claras: o SPD e os Verdes podem imaginar algo desse género, os liberais são contra, é tudo o que sabemos, mas como não têm de decidir agora decidiram não dizer nada. Penso também que só vale a pena discutir um mecanismo permanente se a concretização deste for um sucesso, se não o capital político para uma iniciativa destas teria de ser muito grande, por isso faz sentido esperar.
Durante a campanha houve críticas da CDU de que um Governo Scholz poderia irritar os Países Baixos ou a Áustria, com a Alemanha a sair das posições mais “frugais”. Acha que é uma possibilidade?
No passado, a Alemanha estava a alinhar mais com os frugais. Penso que agora depende da ousadia das propostas de reforma que venham de França e Itália, etc. A Alemanha vai ter de fazer o papel de conciliadora e de procurar consensos, ou seja vai ser esse o papel de Scholz, assim como de Lindner, porque também é preciso manter os Países Baixos e a Áustria satisfeitos.
Mas penso que a percepção na Alemanha mudou, desde a crise do euro houve desenvolvimentos que mudaram as prioridades dos políticos. O clima é agora a questão número um, e isso quer dizer que a luta contra as alterações climáticas assume precedência sobre questões de défice e regras de dívida. E a segunda é a mudança da situação geopolítica, porque na altura não tinha havido “Brexit”, nem Trump, nem a China autoritária a mostrar músculo na Europa, e tudo isto são desenvolvimentos geopolíticos que preocupam profundamente a Alemanha.
E por isso é que uma Europa forte e unida, política e economicamente, é ainda mais importante do que sempre foi para a Alemanha. Enquanto os frugais podem dar-se ao luxo de ser pequenos países sem grande preocupação com estas questões, a Alemanha tem de ter estas questões em conta. Estas razões geopolíticas são uma das principais razões pelas quais vejo a Alemanha a tornar-se mais pragmática na frente orçamental.